segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Era uma vez um rio

Passei a minha infância numa aldeia onde passava um rio. Lá fiz a escola primária e brincava nas ruas.
Fazia barcos de papel que punha a navegar nas valetas depois das enxurradas.
Ía aos montes caçar grilos que depois instalava na horta junto das alfaces.
Durante o período lectivo os jogos do recreio eram a minha diversão: o futebol, o prego, o pião, a apanhada. Mas durante as férias do verão, o meu mundo era o rio.
O rio timha um leito de broncos areais recortado por regatos de água cristalina. Os banhos e a pesca ocupavam-me uma boa parte do dia, assim como aos outros miúdos, meus companheiros.
As futeboladas no areal davam-nos também imenso prazer apesar de ficarmos com os pés salpicados de sangue por causa da areia. Mas ninguém se queixava disso! Era, alias, um teste á nossa virilidade.
Quando tinhamos sede, escavavamos um buraco no areal até a água aparecer. Depois de as areias assentarem no fundo da poça, ficavam pequenas micas a flutuar. Algumas palmadinhas na superfície faziam-nas afundarem-se e então sim, com cuidado debruçavamo-nos e bebíamos directamente do rio. Muitas pessoas consumiam desta água que levavam para casa em cântaros de barro.
Nas horas de maior calor, abrigavamo-nos nas margens relvadas usando a sombra fresca de árvores centenárias onde abundavam ninhos de cegônha e de milhafre, entre outros.
Jogavamos às cartas, merendàvamos e namorávamos ao som do batuque das cegonhas e do chilrear das árvores canoras.


O rio era animado.
Grupos de mulheres lavavam a louça atraindo cardumes de peixes prateados; outras cobriam parte do areal com peças de roupa acabada de lavar ali mesmo. Enquanto lavavam, papagueavam, riam e cantavam.
Mas a maior animação era quando os touros bravos atravessavam o rio em direcção à aldeia causando a debandada das lavadeiras. O espectáculo era emocionante. Em cima das árvores ou atrás das moitas, era impressionante ver passar, a escassos metros de distância, aqueles magníficos animais acompanhados por homens a pé e outros a cavalo.
Era assim Santo Varão de outros tempos.
Havia lontras no meu rio. Havia lontras e cágados na vala contígua. E carpas e barbos e os saudosos ruivacos.
Era assim o mundo da minha infância.
Era assim que eu gostaria de ver o meu rio Mondego ainda hoje. Mas não é assim!
A ligação do rio à aldeia foi cortada por um dique e uma estrada. As árvores desapareceram, o rio virou canal. As areias escoreceram e a água… essa vem de longe até aqui chegar. Passa perto de minas radioactivas. Passa numa cidade que durante anos esgotou resíduos hospitarares directamente no rio. Aqui bem perto, recebe águas de valas poluídas.
Então, mas que água será esta? Alguém sabe? Alguém quer saber?
Que água é aquela que corre nas nossas torneira e com a qual cozinhamos?
Porque razão nem o Instituto da Água nem a Direcção Geral do Ambiente querem fazer análises à eventual radioactividade do Mondego?

É por esta, entre outras razões, que eu apoio a candidatura do Dr. Melanda. Acredito que só a coragem de enfrentar factos e realidades podem vir, no futuro, a dar-nos garantias de não andarmos a ser enganados.

Santo Varão, Outubro de 2009
Rui Rodrigues*


* Responsável pela área do Ambiente do programa Autárquico do Bloco de Esquerda de Montemor-o-Velho

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